quinta-feira, 12 de abril de 2012

José Maria Dias da Cruz - Email para Guilherme Bueno


Guilherme Bueno

Como vc está? Imagino, como sempre, abarrotado de trabalho. Assim como eu, pois além daquelas obrigações com a sobrevivência, bicudas nos dias de hoje, temos essas perguntas que não dão descanso as nossas cabeças. Está uma obsessão o que venho pensando sobre uma geometria das cores e parece que a cada passo que dou pra frente, tantas dúvidas aparecem que nem sinto que há um avanço. Parece até mesmo um recuo. Ao menos consegui entender um pouco melhor a frase do Leonardo sobre o serpenteamento. Assim o cinza sempiterno seria, dentro do que penso, o correspondente ao ponto, este potencialmente ativo. O serpenteamento corresponderia à linha. Ambos construiriam um espaço com várias dimensões, pois há que se considerar o rompimento do tom que tem uma dimensão temporal. O caroço vem de um verso do Michael Palmer: "As diversas distâncias entre olho e pálpebra." Há, portanto, as cores abstratas substantivas e coladas a elas os valores hápticos e tácteis.

Estou pintando um politípico (oito quadros que ainda não foram fotografados). O suporte é madeira, aquelas tábuas de pinho para obras. São diversos os comprimentos, de 40cm a 60cm, e a altura uma só, 30cm. Não tratei a madeira. Deixei-a crua, com as marcas dos veios e das nódoas. Em uma parte pintei um colorido no qual se manifesta o cinza sempiterno. Na outra uma cor, um rosa, por exemplo, não me importando em relacionar as duas pelos princípios de proporcionalidade que se dá às formas, ou seja, aqueles princípios vasarianos. Lidei, portanto com os valores tácteis do suporte, que fica bem evidente que é um pedaço de uma tábua. Apesar de pintadas vê-se que é madeira não tratada para outro fim senão o de servir para armação de concretagem em obras de construção. A pintura em rosa não vela os veios e as nódoas. As laterais ficaram só na madeira, bem visível. Assim ficam evidente os valores tácteis da tábua. Mas a cor pintada chapada nos leva ao conceito de cor abstrata substantiva, em apenas duas dimensões, e assim os valores hápticos se manifestam.

Isso está me levando a pensar em outra coisa. Parece que estou desenvolvendo um pensamento, além de plástico, mais diagramático e menos analógico. Andei lendo um livro do Deleuze sobre o Bacon que expões bem essas questões. Entretanto quando ele se refere a Cézanne sempre fico questionando. Há coisas que para mim se tornam tão confusas! Por exemplo, nesse livro que li do Deleuze, "Francis Bacon, lógica da sensação". Veja, ele diz " A luz é o tempo, mas o espaço é a cor." Para mim a cor, pelo rompimento e pelo cinza sempiterno é tempo também. Continua o autor. "O colorismo pretende extrair um sentido particular da visão: uma visão háptica da cor-espaço diferente da visão ótica da luz-tempo." Fica difícil para mim, face à primeira frase citada, uma compreensão clara em relação a essa, muito embora considere importante a discussão  do táctil e do háptico.

E há uma terceira frase. "A modulação por toques distintos puros (o grifo é meu), e segundo a ordem do espectro, foi a invenção propriamente cezanneana para atingir o sentido háptico da cor."

Primeiro não acredito em uma pureza com esse sentido absoluto. Segundo, se falar em ordem do espectro quando Cézanne afirmou que a luz não existe para o pintor! E além do mais ignorar o que Cézanne disse que somente o cinza reina na natureza. Enfim, vou me virando. Basta ver uma montanha que segue anexo. Repare que no corpo da montanha há uma escala que vai, em forma de um arco, de um azulado até um alaranjado passando pelo cinza sempiterno. Além do azul, por afinidade, Cézanne utiliza de um tom verde. Essa é a escala básica do quadro, que resulta em diversas variações dessas escalas diagramáticas e que em nada se aproxima da ordem das cores no espectro.

Não sei se estou sendo claro, escrevendo sem mostrar graficamente o que penso. Estou anexando também um desenho onde mostro um diagrama cromático com seu específico cinza sempiterno. Desde cinza mostro uma outra escala que vai de um violeta escuro a um amarelo esverdeado claro que não pertence ao círculo diagramático acima. A essa escala posso acrescentar por aproximação ao violeta um azul. É um esquema cezanneano. Ele diz que pinta sempre uma secção do espaço, o que podemos entender como uma secção de um colorido maior uma vez que temos nossos limites, vale dizer, nos é interditado um colorido total. E nisso há um enigma.

Estou sendo claro? A complexidade advém do fato de que cada intervalo dessas escalas ter seus respectivos cinzas sempiternos com uma dimensão temporal. É por isso que Cézanne dizia que somente um cinza reina na natureza. Creio que não podemos visualizar toda essa complexidade, salvo se nos apoiarmos na generalização que nos permitem os diagramas.

Como vc vê, minha cabeça ferve.

Abraços
JM

Cézanne – A Montanha de Santa Vitória

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