domingo, 22 de abril de 2012

Esboço para uma geometria das cores



Esboço para uma geometria das cores

A forma é mais racional que a cor, esta não permite ser racionalizada. Mas possui uma lógica que pode ser percebida pelo pensamento plástico.
A geometria sempre esteve presente na pintura. A cor permitiu-me criar conceitos básicos ou elementares para construir outros objetos e espaços plásticos mais complexos, e o mais importante desses conceitos básicos foi um ponto. Cézanne disse que somente um cinza reina na natureza e alcançá-lo é de uma dificuldade espantosa. Estudando a obra desse mestre concluí que esse cinza, o qual denominei como sempiterno, é um ponto potencialmente ativo. É um pré ou pós-fenômeno, contém todas as cores de um colorido. Isso, para mim, é uma base para uma geometria das cores, com seus respectivos lugares (topos), temporalidade, intervalos, etc. Mas Cézanne afirmou que a linha não existe em absoluto na natureza. Isso me levou a estudar o serpenteamento vinciano. Leonardo diz que devemos observar com muito cuidado os limites de cada objeto e o modo como serpenteiam. Substitui a linha por esse serpenteamento, que nos dá uma sensação de volume. Observei mais. Afirmei que a cor abstrata é substantiva, uma ideia, subsiste por si só, e que a cor concreta é adjetiva, sua condição é ser no colorido. Por essa observação entendi Cézanne quando ele se refere à natureza em si e a sua própria (ou a minha). Entendi que são outros níveis de realidade, de percepção da natureza, e não uma só, com valor absoluto. Entendi mais: uma sutil referência ao pensamento mágico, quando Cézanne afirma que ele é a consciência da natureza.   
O que não posso admitir é quando vejo o que a maioria dos historiadores de arte fala da geometria em Cézanne. Que um rosto é oval e os braços cilíndricos, por exemplo. Como o próprio Argan, quando diz que para Cézanne uma laranja era simultaneamente uma laranja e uma esfera, pois construía o espaço considerando as formas geométricas históricas. É de uma simplificação irritante. Basta ver e refletir. Cézanne modula pela cor e nunca trata uma laranja encerrando-a em uma esfera. Os limites dos corpos serpenteiam e, nesse serpenteamento, o espaço plástico, que para o mestre em um quadro era sempre uma fração do espaço, anima-se. É-nos interditado um espaço completo, que contenha todos os coloridos. Esse espaço fracionado não morre por uma segunda vez, como nos advertia Leonardo – diz ele que quando transpomos para uma superfície do suporte uma natureza viva, matamo-las por uma primeira vez, pois ela perde sua dinâmica. Cabe ao pintor, com sua sabedoria, evitar que morra por uma segunda vez. E aqui tento substituir uma linha com valor absoluto por uma outra, mas uma dinâmica, que possui uma potência, e é por esta que tanto as figuras como o espaço se animam. 


O cinza sempiterno não existe


Já dissemos que o cinza sempiterno não existe, é um pré ou pós-fenômeno. Nas Cartas sobre Cézanne, de R. M. Rilke, escritas por ocasião da retrospectiva de Cézanne realizada em Paris em 1907, esse poeta notou a inexistência desse cinza. Ele escreveu: “Para Cézanne, o cinza não existia.”

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