sábado, 17 de março de 2012

Oa pensamentos de George Braque

O Dia e a Noite
George Braque




Aos leitores estes amargores de uma estrada já longa.

A natureza não oferece o gosto da perfeição, não a concebemos nem melhor nem pior.

Jamais teremos repouso: o presente é perpétuo.

Pensar e raciocinar não são o mesmo.
Não é o bastante fazer ver o que se pinta, é preciso ainda fazer tocar.

A emoção não se acrescenta nem se imita: ela é o germe, a obra é a eclosão.

Em arte não há efeito sem distorção da verdade.

Os que vêm atrás: os puros, os intactos, os cegos, os eunucos.

Não faço como quero, faço como posso.

A personalidade do artista não é feita da soma de seus tiques.

Não se deve pedir ao artista mais do que ele pode dar, nem ao crítico mais do que não pode ver.

Contente-se em fazer refletir, não busque convencer.

A Arte é feita para perturbar, a Ciência para assegurar.

Graças a Deus, diz um. O outro diz: Deus está conosco. E o terceiro: Deus é meu direito.

O pintor pensa por formas e cores, o objeto é a poética.

Não se deve imitar o que se quer criar.

Em arte somente uma coisa tem valor: o que não se pode explicar.

Se o pintor não despreza a pintura é porque ele teme fazer uma tela que o supere em valor.

O artista não é incompreendido, ele é menosprezado. Nós o exploramos sem saber quem ele é.

Os que vão à frente dão as costas aos que vão atrás. É tudo o que estes merecem.

Amo a regra que corrige a emoção. Amo a emoção que corrige a regra.

A ciência não dispensa a fraude: para resolver um problema basta tê-lo colocado bem.

A Arte sobrevoa, a Ciência anda apoiada.

É a precariedade da obra que põe o artista em posição heróica.

Quando se faz apelo ao talento é porque faltou ardor.

O pintor não tenta reconstituir uma história, mas constituir um fato pictural. Há arte do povo e a arte para o povo, esta última inventada pelos intelectuais. Não penso que Beethoven nem Bach, inspirando-se no popular, tenham sonhado em estabelecer uma hierarquia.
Incapaz de poder adaptar um vocabulário ultrapassado, o crítico condena.

Tenho a preocupação de me colocar em uníssono com a natureza bem mais que imitá-la.

Descobrir uma coisa é colocá-la ao vivo.

O clima: é preciso chegar a uma certa temperatura que torne as coisas maleáveis.

O estilo pré-clássico é um estilo de ruptura, o estilo clássico é um estilo de continuação. O Monte de Saint Michel e Versailles, Villon e Mme. de Sevigné.

Cada época limita suas aspirações. Daí nasce, com a cumplicidade, a ilusão do progresso.

O comum é verdadeiro, o semelhante é falso: Trouilebert assemelha-se a Corot, mas não têm nada em comum

Escrever não é descrever, pintar não é representar.

A verossimilhança não é senão ilusão de ótica.

A toda aquisição corresponde uma perda equivalente, é a lei das compensações.

A limitação dos meios engendra formas novas, convida à criação, faz o estilo.

O progresso em arte não consiste em ampliar seus limites, mas em melhor conhecê-los.

Eu não sou um pintor revolucionário, não procuro a exaltação: o fervor me basta.

Definir uma coisa é substituí-la pela definição.

Construir é reunir elementos homogêneos; fundar é unir elementos heterogêneos.

Impregnação. Obsessão. Alucinação.

No fim das contas, prefiro os que me exploram aos que me seguem: aqueles têm alguma coisa para me ensinar.

Todo estado é sempre complementar ao que o precedeu.

A sobrevivência não apaga a lembrança.

Podemos desviar um rio de seu curso, mas não fazê-lo voltar à sua nascente.

As idéias como as roupas se usam e se deformam com o uso.

A ação é uma seqüência de atos desesperados que permite manter a esperança.

Para proteger a ilusão, preservamos a palavra: os homens hoje estão convencidos que eles voam.
O conformismo começa com a definição.

Por não se poder ter sempre o chapéu na mão inventou-se o cabide. Descobri a pintura para pendurar num prego minhas idéias, isto permite mudá-las e evitar a idéia fixa.

Ter a mente livre: o conceito obnubila. Foi somente após profundas meditações que o homem bebeu o vazio de sua mão. (Da mão ao copo, passando pela concha.)
Aqui é bem mais uma metamorfose do que uma metáfora.

A carruagem foi sobrepujada por uma cabeça de cavalo.

O vaso dá a forma ao vazio, e a música ao silêncio.

É um equívoco traçar um contorno para o inconsciente e situá-lo nos confins da razão.

O arado em repouso enferruja e perde seu sentido usual.

Ter a mente livre: estar presente.

Alguns morriam de sede entre uma garrafa d’água e uma xícara de café.

Minha tese procede? É você que a sustenta.

A verdade existe. Inventa-se apenas a mentira.

É preciso escolher; uma coisa não pode ser ao mesmo tempo verdadeira e verossímil.

Com o Renascimento, a idealidade substitui a espiritualidade.

O futuro é a projeção do passado condenada pelo presente.

Jamais pude discernir um princípio de um fim.

É o acaso que nos revela a existência.

O mistério explode com a claridade, o misterioso se confunde com a obscuridade.

É preciso ter sempre duas idéias, uma para destruir a outra.

Defender uma idéia é tomar uma atitude.

O pessimista não protege suas idéias, ele as expõe.

Ele vive mudando de idéias, ele é como eu, sabe onde tem o nariz.

Ideologias e construções: uma gota d’água sobre esses pães de açúcar e tudo se dissolve.

Os que se apóiam sobre o passado para profetizar fingem ignorar que o passado não é senão uma hipótese.

O pintor conhece as coisas de vista, o escritor que as conhece de nome se beneficia do preconceito favorável. Por isso a crítica é fácil.

Ciência é poder adquirido pela repetição.

Um procura o que pode favorecer suas idéias, o outro o que pode destruí-las.

A verdade se protege a si mesma: os antagonistas se cruzam em torno dela com simetria sem atingi-la.

Não concluamos: o presente, o acaso vai nos liberar.

O vocabulário é o testemunho seguro de uma época.

Não é o objetivo que interessa, mas os meios para atingi-lo.

Erudição, saber sem rigor.

Sua desculpa? Eles querem ter razão sobre os que erraram.

A esperança contra o ideal. A constância contra o hábito. A fé contra as convicções.

Uma utopia é um mito cujas conseqüências se prevêem. Enganamo-nos.

As democracias substituem o fausto pelo luxo.

Quanto mais o socialismo for integral, mais a guerra será total.

O idealismo é uma forma convencional de esperança.

Investigar o comum que não é o semelhante. É assim que o poeta pode dizer: “uma andorinha apunhala o céu” e faz de uma andorinha um punhal.
 Quando alguém imagina coisas, afasta-se da verdade. Se ele tem apenas uma imagem é idéia fixa. Encerramento.
 A magia não é menos perigosa para aquele que a exerce do que para aquele que a experimenta.

O sangue, o ferro afiado do arado.

O fatal ameaça as idéias, o fortuito as derrota.

O verdadeiro materialista é o crente.

A espiritualidade contra e idealidade. O perpétuo contra o eterno.

Alguns, como o naturalista, empalham a natureza acreditando torná-la imortal.

A magia é o conjunto dos meios que suscita a credulidade.
Uma natureza morta deixa de ser uma natureza morta quando não está mais ao alcance da mão.

O espaço visual separa os objetos uns dos outros. O espaço total nos separa dos objetos. O turista olha a paisagem. O artilheiro alcança o alvo (a trajetória é o prolongamento do braço).

Unidades de medida total: o pé, o cotovelo, o polegar.

A forma e a cor não se confundem, há simultaneidade.

O quadro está terminado quando apagou a idéia.

A idéia é o berço do quadro.

O sujeito. Um limão ao lado de uma laranja deixa de ser um limão e a laranja, uma laranja, para se tornarem frutas. Os matemáticos seguem esta lei, nós também.

Poucas pessoas podem se dizer: Estou? Elas se procuram no passado e se vêem no futuro.

Lembrança de 1914: Joffre não tinha senão a preocupação de refazer os quadros das batalhas de Vernet.

O que não nos tomam nos sobra, é o melhor de nós mesmos.

As fronteiras são os limites da resistência. O lago pede às suas margens para contê-lo.

O raciocínio é uma via para o espírito e um tumulto para a alma.

A liberdade se toma, mas não se dá. A Liberdade para o comum é o livre exercício dos hábitos, para nós, é transpor o permitido.

A liberdade não é acessível a todo mundo, para muitos ela se coloca entre a defesa e a permissão.
Jamais aderir.
 Para aqueles que têm o culto de si mesmos, as convicções substituem a fé.

Em duas coisas que julgamos semelhantes, há sempre um sósia.

A razão é razoável.

O eco responde ao eco. Tudo se repercute.

O perpétuo e seu ruído de fonte.

Com a idade, a arte e a vida se tornam uma coisa só.

Eu não procuro a definição. Eu tendo para e infinição.

É o imprevisível que cria o acontecimento.

Uma coisa não pode estar ao mesmo tempo em dois lugares. Não podemos tê-la na cabeça e sobre os olhos.

O militante é um homem mascarado.

Para mim, o por em obra supera os resultados previstos.

A cultura engendra a monstruosidade. É preciso se contentar em descobrir, mas evitar explicar.

O homem marcha diante de si como a água corre.

No presente, nada se opõe, tudo se conjuga. Força e resistência são a mesma coisa.

Eu fujo de meu semelhante. Em todo semelhante há um sósia.

Em toda reação há uma parte de arrependimento.

Somente aquele que sabe o que quer se engana.

Eu não protejo minhas idéias, eu as exponho.

Estou sujeito a sentimentos que ultrapassam a predileção.

Há obras que fazem pensar no artista, outras no homem. Ouvi muitas vezes falar do talento de Manet, jamais do de Cézanne

A assinatura do ancinho.

Cézanne fundou, ele não construiu: a construção supõe um preenchimento.

No início, a ferramenta era  prolongamento do braço; com o maquinismo, o braço tornou-se o prolongamento da ferramenta.

A noite, a poeira, o sono.

O conhecimento do passado; a revelação do presente.

O espaço visual. O espaço tátil. O espaço manual.

As provas exaurem a verdade.
Na procura do fatal, descobrimo-nos.

É preciso distinguir entre a vontade e a constância. O alcoolismo não é um exemplo de vontade.

O fatalismo não é, como cremos, um estado passivo.

Destruir toda idéia para chegar ao fatal.

Partir do mais baixo para ter chance de se elevar.

O caminho se faz dia a dia.

Tambor, instrumento de meditação.
 Quem escuta o tambor compreende o silêncio.
 Desejo o amor como desejo o sono.

A marcha para a estrela: os que vão à frente levam o cajado, os que vêm atrás levam um chicote. Pelos lados, os horríveis soldados.

Contrariemos as vocações.

Eles se obstinam num ponto, ignoram a deriva.

Não tenho nada a deformar, parto do informe e formo.

A esperança nasceu do medo do amanhã.

A utopia é um mito do qual se pode prever as conseqüências.

A verdade não tem contrário.

O desesperante eterno.

A força suprime a justiça e a injustiça.

A prece começa no contanto que.
 A realidade não se revela senão iluminada por um raio poético.
 Tudo é sono à nossa volta.

O pastor conduz seu rebanho, mas ele não saberia conduzir um único touro.

O moralista aperfeiçoa o mal para exaltar o bem.

Sensação, revelação.

O perfil contra a silhueta, a evolução contra o progresso.




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