segunda-feira, 19 de março de 2012

O Polvo Ivan Junqueira


Segue uma carta que estou enviando a todos meus queridos amigos, e são muitos.  E você já está entre eles por ter compreendido tão facilmente aquilo que pretendo apontar, o cinza sempiterno. Sabia que muitos não o querem experenciar? Nem experenciar, nem ouvir...

Segue, então, um poema. O polvo é o poeta ou artista que tudo espia, que se agita e que, na sua fome de criar, faz o poema aparecer como uma luz que é carregada à tona por um anjo mensajeiro, talvez o mesmo da anunciação.

As palavras me comovem! Difícil tê-las livre de seu poder, - e você as tem - visto que em todo o poder há uma parte de limitação ou de arrependimento. Daí colar esse poema do Ivan Junqueira, O Polvo.

É um meta poema se o vermos como auto referente, quando se limita só ao seu aparecer como poema. No golfo um polvo hermético...  No golfo o poeta... Mas não é só isso.

Deixa de ser meta poema se apresentado como valor estético, pois põe em evidência seu contrário, que ele pretende negar. Estabelece assim uma dialógica. E nisso há vaidade.

Deixa mais ainda de ser meta poema se considerarmos a luz que se fez poema. Então, de onde veio?

Uma luz-poema, eis o que os artistas procuram sem saber se inutilmente. Pois todas a coisas tem seu tempo. E assim sempre No golfo um polvo hermético se move
entre algas de silêncio e solidão.
Quem iluminou o poeta?  Só os anjos sabem?

Já me ocupei desse poema em um de meus desenhos, assemblages de pintura e poesia. Ao poema contrapus o cinza sempiterno. Talvez possa refazê-lo, e ele, o desenho, terá então uma história. E que esta seja alegre.

Talvez esse e-mail já seja uma parte do desenho.

Abraços do
José Maria
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Vou ficar esperando sua resposta.

Com toda a admiração do
José Maria



O POLVO

No golfo um polvo hermético se move
entre algas de silêncio e solidão;
no golfo, um polvo, aquático espião,
agita seus tentáculos, remove,
sem trégua, a lama espessa que recobre
o tácito esqueleto de seu pão.
Mas não sabe a polpa nem o grão
do plasma em chamas que o molusco engole.
Sabe-se apenas que o animal se inclina,
voraz, sobre a nudez da essência pura
e nela enterra a fome de seu dente.
Sabe-se mais: que o mar se transfigura
e à tona envia um anjo incandescente
quando no golfo o polvo se ilumina.

Ivan Junqueira
 

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