sábado, 25 de agosto de 2012

Jacinto Lageira

"Através das manipulações, dos tatos e contatos depositados no objeto e localizáveis
pelo olho, depois outra vez transponíveis em valores hápticos, a alteridade não
é unicamente aquela, irredutível, do objeto inventado, ficcional e imaginado, é
igualmente o traço do outro incorporado no objeto. É surpreendente que quando
estamos suficientemente próximos da obra, nós experimentamos como que o
toque do outro, e, através desse tato materializado diversamente no objeto, como
que sua pele. O gestual facilmente visível sobre as superfícies das obras de arte
testemunha os diferentes graus de tatilidade, de engajamento epidérmico, carnal,
mais ou menos leve, violento ou doce. Isso é de resto válido para as películas
de filmes cinematográficos e fotográficos, mesmo dos vídeos, o grão da imagem
na tela ou no papel que pode igualmente ser experimentado, os próprios termos
da película ou do grão que pertencem, de resto, ao domínio do vocabulário
dermatológico. Se, de fato, “o que há de mais profundo no homem é a pele”,
então todas essas superfícies, películas, camadas que recobrem e que são as obras
de arte em parte guardam o traço dessa profundidade, fazendo mesmo com que se
manifeste. Como que virando a pele sobre si mesma, fazendo com que a obra de
arte proporcione uma relação de reversibilidade carnal em que não toco o objeto,
mas na qual é antes ele que vem ao meu encontro e me toca. “Ser tocado” por uma
obra consiste metaforicamente em ser tocado pela alteridade do objeto e daquele
ou daquela que nele se encontra inscrito indiretamente ou na superfície, mas de
modo que a pele dos seres e das coisas seja também essa materialidade, sem a qual
nosso imaginário seria insensível à sua pele."
Jacinto Lageira

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